jul

2018

Por que o brasileiro precisa conhecer o “Fair Use”

Por Rafael Neumayr

Artigo publicado no Jornal Letras nº 53 – 2018 (Belo Horizonte – MG)

 

Fair Use” é o instituto jurídico previsto na lei americana de direitos autorais que permite o uso de obras de autoria de terceiros, como textos, fotos e imagens de esculturas, sem a necessidade de autorização ou de pagamento ao autor.

Sim, também a nossa Lei de Direitos Autorais – LDA possui uma previsão parecida. Chama-se “limitação aos direitos autorais” (eu particularmente prefiro “usos livres”). No entanto, ela se diferencia sensivelmente do Fair Use norte-americano.

No Brasil, as hipóteses de “usos livres” são poucas e estão indicadas expressamente na LDA. Alguns dos exemplos mais conhecidos: a possibilidade de fazer citações de outras obras para fins de estudo, crítica ou polêmica (imagina a complicação de ter que solicitar autorização para fazer referência, em uma monografia de final de curso ou dissertação de mestrado, de trechos de outras obras, com o propósito de reforçar um argumento!) e o uso de pequenos trechos. Entretanto, a lei não define “pequeno trecho” e condiciona o uso livre a três pressupostos: o trecho copiado não pode ser o “núcleo” da nova obra, não pode prejudicar a exploração da obra que foi copiada, tampouco pode causar prejuízos injustificados a seu autor. Percebe-se, portanto, que essa específica limitação ao direito autoral é um tanto vaga, sendo difícil sua aplicação.

Nos EUA, por outro lado, a legislação não apresenta uma lista fechada de usos livres, nem mesmo com propósitos ilustrativos. O Fair Use é um princípio, uma norma aberta, passível de interpretação e de aplicação caso a caso. Não há, portanto, casos estanques, mas uma gama enorme de possibilidades.

Para que se esteja diante de um uso justo de direitos autorais nos EUA, devem ser considerados quatro fatores, que nem sempre precisam aparecer em conjunto: quão transformador é o novo uso (quanto mais transformador mais apto a ser considerado “justo”); a natureza da obra copiada (quanto mais “criativa” a obra copiada mais protegida ela será); a quantidade e/ou substancialidade que o trecho copiado representa na nova obra (quanto maior for o tamanho ou a relevância do trecho, menos “livre” será aquele uso); e, por fim, o efeito (negativo) que a nova obra provocará na exploração da obra copiada.

Assim, há uma espécie de balanceamento: um juiz americano, diante de uma disputa envolvendo direitos autorais, avaliará se aqueles fatores tiveram lugar e qual foi a intensidade de cada um, dando então o seu veredicto.

Lá, nos EUA, a análise de Fair Use passa pelo bom-senso. Isso é especialmente importante para alguns setores da economia criativa, como na indústria de documentários, onde já se fala, inclusive, de um “porto-seguro” do Fair Use (situações que, por já terem sido tantas vezes decididas favoravelmente nos tribunais, já geram grande previsibilidade de serem consideradas como usos livres).  Aqui no Brasil o trabalho do juiz se limita a verificar se o uso se enquadra literalmente em alguma daquelas poucas hipóteses previstas na LDA. Não havendo uma aderência total a uma dessas situações, o uso será considerado irregular.

Qual dos dois modelos parece mais razoável?