Maio

2014

O (PROVÁVEL) NOVO REGIME JURÍDICO DAS PARCERIAS COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

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Rafael Neumayr

Foi aprovado pelo Senado Federal e enviado à Câmara dos Deputados, em fevereiro, o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 649/2011, que, em seus 88 artigos, traz novo regime jurídico para as parcerias voluntárias entre Administração Pública e organizações da sociedade civil. Na Câmara, o Projeto de Lei (PL) tramita em regime de prioridade, sob o nº 7.168/2014.

Trata-se de proposição que ocasiona sensíveis transformações no relacionamento entre Governo e terceiro setor, ao estabelecer normas gerais que deverão ser aplicadas por todos os entes federados, alcançando a União, estados e municípios.

O propósito do PL é ousado. Diante da insuficiência do art. 116 da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações), único daquela lei que aborda convênios, e do alcance limitado das normatizações posteriores, que se restringem ao âmbito das parcerias com a Administração federal (Decreto 6.170/07 e Portaria Interministerial CGU/MF/MP 507/2011), ele propõe a sistematização e aperfeiçoamento das regras a respeito de parcerias entre Poder Público e entidades sem fins lucrativos, dispersas em várias espécies normativas, em um único regime. Isso fica evidente no art. 84, que dispõe que “não se aplica às relações de fomento e de colaboração regidas por esta Lei o disposto na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e na legislação referente a convênios, que ficarão restritos a parcerias firmadas entre os entes federados”.

A proposta veio em boa hora. A compreensão das normas jurídicas aplicáveis às referidas parcerias é tarefa hercúlea, haja vista o grande número de regras esparsas e não uniformes, expedidas por vários entes da Federação. A padronização dos procedimentos, com aplicação generalizada, tende a trazer harmonia e segurança jurídica. Afinal, assim como as normas gerais de licitação se encontram em lei federal de aplicabilidade nacional, também as referentes a relações cooperativas com o terceiro setor são merecedoras de uma lei central e norteadora.

Além de indicar expressamente princípios constitucionais e diretrizes gerais do novo regime, o PL regula os chamados termos de colaboração e termos de fomento, eleitos como substitutos do tradicional convênio, instrumento genérico adotado de forma indistinta em todo o Brasil, nas relações público-privadas com o terceiro setor. O PL é categórico: “é vedada a criação de outras modalidades de parceria ou a combinação das previstas nessa lei”, ressalvando unicamente os contratos de gestão e termos de parceria, previstos em leis federais específicas.

A diferença entre o termo de colaboração e o de fomento é singela. Ambos regulam parceria de mútua cooperação entre Administração Pública e entidade privada, mediante o repasse de recursos públicos pela primeira. A diferença está no fato de que, no termo de colaboração, o plano de trabalho da parceria é proposto pela própria Administração; no de fomento, ele é proposto pela entidade privada.

Para celebração de qualquer parceria, o chamamento público de entidades é indispensável, dedicando o PL vários artigos para regulá-lo. A regra comporta poucas exceções: (a) urgência em razão de paralisação ou iminência de paralisação de atividades de relevante interesse público; (b) em caso de guerra ou grave perturbação da ordem pública; (c) para realização de programas de proteção a pessoas ameaçadas ou em situação de risco; (d) para projeto, atividade ou serviço já realizado em parceria com a mesma entidade há pelo menos cinco anos; e (e) em caso de inviabilidade de competição, em razão da natureza singular do objeto ou quando as metas só puderem ser atingidas por entidade específica.

Em sintonia com o atual ordenamento do terceiro setor, o PL determina a adoção, pela entidade privada gestora de recursos públicos, de Regulamento de Compras e Contratações (RCC). Além disso, impõe a observância, nas contratações de bens e serviços, dos princípios da legalidade, moralidade, boa-fé, probidade, impessoalidade, economicidade, eficiência, isonomia, publicidade, razoabilidade, julgamento objetivo e busca permanente de qualidade e durabilidade. Para fazer valerem tais princípios, a entidade poderá efetuar tais operações por meio de sistema eletrônico disponibilizado pela Administração Pública, aberto ao público via internet, que notificará automaticamente todos fornecedores cadastrados para que apresentem propostas diretamente no sistema. Caso um ente federado não possua sistema próprio, poderá utilizar, para esse fim, o Sistema de Cadastramento Único de Fornecedores (Sicaf) e o Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse (Siconv) da União.

Mas o PL permite que o RCC preveja situações de contratação direta, casos em que a cotação de preços é dispensada: a) valor do contrato inferior a R$8.000,00; b) se houver comprovada urgência na contratação, nos termos do RCC; e c) se não houver pluralidade de opções, em razão da natureza singular do objeto ou de limitações de mercado, bastando nesse caso comprovar que o preço é compatível com os cobrados pelo fornecedor normalmente.

A contrapartida financeira da entidade privada não é obrigatória, sendo, contudo, “facultada” a exigência, pela Administração Pública, de contrapartida em bens e serviços economicamente mensuráveis.

O PL prevê ainda sanções severas sobre a entidade no âmbito da prestação de contas, estendendo-as aos seus dirigentes. Mas as penas não se restringem à parceira privada, alcançando igualmente os gestores públicos. Nesse sentido, o PL inclusive propõe alterações na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.249/92), que passará a prever, como sendo atos dessa natureza, “frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente”, por exemplo.

Por previsão expressa, o PL não se aplica aos contratos de gestão envolvendo Organizações Sociais (OS). Contudo, se aplica “no que couber” aos termos de parceria com Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Ele inclusive propõe alteração na Lei 9.790/99, que regula essa última qualificação, ao exigir que uma entidade, para pleitear o título, esteja constituída e se encontre em situação regular há pelo menos 3 anos (não há tal exigência de prazo atualmente), trazendo ainda disposições acerca da prestação de contas em termos de parceria.

Devem as entidades integrantes do terceiro setor, mesmo as qualificadas como OSCIP com base na Lei Estadual nº 14.870/2003, acompanhar atentas a tramitação do PL na Câmara. A sua aprovação implicará na reorganização das parcerias com os poderes públicos, sendo necessário o treinamento e instrumentalização dos gestores em relação ao novo regime.

(Publicado originalmente em: ‘Parcerias em Foco’ – Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais (SEPLAG), Belo Horizonte, Maio 2014.)